A recuperação judicial da Azul nos EUA e os limites da legislação brasileira

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A pergunta “o Brasil precisa de um Chapter 11?” deve ser respondida não com importações apressadas, mas com
humildade e seriedade institucional.

A escolha da companhia aérea Azul de requerer sua recuperação judicial nos Estados Unidos, valendo-se do Capítulo 11 do Bankruptcy Code, lança luz sobre um tema incômodo e urgente: por que empresas brasileiras buscam
amparo fora de seu próprio sistema jurídico?

O movimento da Azul segue os passos de outras grandes aéreas, como Latam e Gol, e não é motivado por preferências culturais ou modismos internacionais. É, na verdade, uma reação racional a um ambiente jurídico nacional que não oferece, em termos práticos, condições suficientes para uma reestruturação empresarial eficiente, segura e financeiramente viável.

Ao optar pelo Chapter 11, a Azul encontrou um ambiente onde o financiamento à empresa em crise- conhecido como debtor-in-possession financing (DIP financing)- ocorre de forma eficiente. Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos esse tipo de financiamento conta com prioridade efetiva no recebimento, inclusive podendo se sobrepor aos credores existentes, mediante autorização judicial (priming lien), sendo essa uma condição essencial para incentivar o ingresso de capital novo nas empresas em recuperação judicial.

No Brasil, a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020 buscou aproximar-se das práticas internacionais, sobre
tudo as norte-americanas, ao introduzir uma disciplina normativa sobre o financiamento de empresas em recuperação judicial, prevendo, nos artigos 69-A a 69-F da Lei nº 11.101/2005, instrumentos específicos para facilitar a obtenção de crédito.

Não há dúvidas de que essa foi uma evolução legislativa importante, que demonstrou a sensibilidade do legislador
para com as dificuldades enfrentadas por empresas em processo de soerguimento. Contudo, o sistema brasileiro
ainda lida com certa complexidade em torno da classificação dos créditos decorrentes de DIP, especialmente quando se comparam as diferentes formas de garantia e as respectivas ordens de pagamento.

O resultado, por vezes, é um ambiente que pode gerar insegurança jurídica, tanto para o devedor quanto para o
investidor. Esse fator pode encarecer o crédito ou, em situações mais delicadas, inviabilizá-lo.

Outro aspecto a ser considerado é o papel do Poder Judiciário. O Brasil dispõe de magistrados altamente qualificados e experientes, mas ainda caminha no processo de especialização e uniformização das decisões em matéria de reestruturação empresarial. A previsibilidade, que é essencial para os agentes de mercado, depende também da existência de jurisprudência consolidada e de práticas alinhadas às exigências da atividade econômica.

O caso da Azul não deve ser lido apenas como uma crítica ao texto da Lei 11.101/2005, mas como um diagnóstico sistêmico. A inadequação do regime brasileiro de insolvência não afeta apenas as grandes empresas que, como a
Azul, têm acesso a jurisdições estrangeiras. Ela penaliza, sobretudo, as milhares de empresas brasileiras que não podem se valer do Chapter 11 por falta de ativos ou conexões com os Estados Unidos.

A reforma de 2020 na Lei de Recuperação Judicial e Falências falhou em garantir, de forma inequívoca, a prioridade do crédito novo e a previsibilidade necessária para atrair capital. Tentou-se colar o rótulo estrangeiro de “DIP financing” em uma estrutura legal que não oferece as mínimas garantias exigidas pelo mercado internacional. Em consequência, o financiamento no Brasil custa mais caro, é mais escasso e menos eficiente.

Nesse contexto, a pergunta “o Brasil precisa de um Chapter 11?” deve ser respondida não com importações apressadas, mas com humildade e seriedade institucional. Não se trata de copiar modelos estrangeiros de forma
cega, mas de compreender o que torna o sistema norteamericano funcional e confiável aos olhos do mercado. Prioridade real ao capital novo, proteção legal efetiva, atuação judicial especializada e previsibilidade normativa são pilares universais, que o Brasil precisa abraçar se quiser que sua recuperação judicial seja mais que um rito formal.

A recuperação judicial da Azul nos EUA e os limites da legislação brasileira | A Gazeta