Recuperação judicial: do estigma à estratégia de sobrevivência empresarial

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Cada vez mais empresas recorrem à recuperação judicial como ferramenta legítima de reestruturação.

Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a um movimento silencioso, mas revelador: cada vez mais empresas recorrem à recuperação judicial como caminho para reorganizar dívidas e manter suas portas abertas. Em julho de 2025, duas em cada mil empresas brasileiras ativas — excluídos os microempreendedores individuais — ingressaram com pedido de recuperação. À primeira vista, o número pode parecer modesto, mas revela tanto o peso do atual cenário econômico quanto a maturidade crescente no uso desse instrumento jurídico.

Durante muito tempo, a recuperação judicial foi vista com desconfiança. Associada a empresas em colapso ou a gestores irresponsáveis, carregava um estigma que afastava empresários de seu uso legítimo. Hoje, no entanto, esse cenário começa a mudar. Diante de um ambiente de juros elevados, inflação persistente, aumento de custos operacionais e retração do consumo, a recuperação passou a ser encarada como um mecanismo estratégico — não um atestado de falência, mas um instrumento de preservação da atividade econômica.

A legislação brasileira, especialmente após a reforma de 2020 da Lei nº 11.101/2005, teve papel fundamental nessa mudança. Ao modernizar o procedimento e conferir maior flexibilidade a devedores e credores, criou-se um ambiente mais favorável para negociações estruturadas e soluções customizadas. Ainda assim, permanecem lacunas relevantes, sobretudo no que diz respeito às pequenas e médias empresas. Paradoxalmente, são justamente elas as mais afetadas em tempos de crise e, ao mesmo tempo, as que mais encontram barreiras nos custos e na burocracia do processo. A criação de ritos simplificados, mais ágeis e acessíveis, é uma medida urgente para tornar a recuperação judicial uma opção viável também para esse segmento — responsável pela maior parte do tecido produtivo nacional.

Do ponto de vista prático, o sucesso de uma recuperação depende de estratégia e confiança. O plano deve ser bem estruturado, transparente e realista, de modo a sinalizar aos credores que a empresa tem condições de se reerguer. Negociações diretas com fornecedores estratégicos, uso de instrumentos legais como o financiamento DIP — que garante liquidez durante o processo — e comunicação clara com todos os envolvidos são fatores decisivos para manter a operação funcionando e preservar relações comerciais.

Mais do que um procedimento judicial, a recuperação representa uma pausa legal para reorganizar o negócio. Ela cria espaço para que o empresário concentre esforços na reestruturação e repactue dívidas em condições compatíveis com sua realidade operacional. Em tempos de juros elevados, esse “fôlego jurídico” pode significar a diferença entre o encerramento definitivo das atividades e a construção de um novo ciclo sustentável.

Se antes a recuperação judicial era sinônimo de fracasso, hoje consolida-se como um instrumento legítimo de política econômica e jurídica — um mecanismo de proteção ao empreendedorismo e à função social da empresa. No cenário atual, ignorar essa ferramenta não é sinal de força, mas de desconhecimento. Em um país onde as adversidades econômicas são recorrentes, saber utilizá-la de forma estratégica é, mais do que nunca, uma questão de sobrevivência.

https://www.agazeta.com.br/artigos/recuperacao-judicial-do-estigma-a-estrategia-de-sobrevivencia-empresarial-1025